A Letra que falta

Tudo é nada, o sentimento faz
do mundo a Imagem da mente;


o som da noite e da Máquina,
a visão do dia nascendo em incestos,


o sol não cega, o fogo não queima,
ninguém sente ou vive o coração selvagem. E


o som de um violão. Ninguém sabe,
o sonho mente, o desejo de ser vivido.


Rostos falsos (máscaras!), carne de papel, silêncio:
cada palavra se torna preciosa e cara,


ouvi-las não é preciso, nem dizê-las.
Imaginar. O resto é pura solidão.


Noite é silêncio. Retorna
sem saber ao fundo e chora sobre a chuva


o desejo de estar longe, ninguém vive.
O caminho começa aqui. Ninguém sabe,


o sonho mente, pode ser vivido.
No fim da tarde, ele disse, uma música azul.


Tudo passa, o sentimento (morte e tempo),
o mundo, a Imagem da Máquina,


um cego levanta seus olhos ao sol;
noite, ele disse, sou eu. Imagens,


imaginações vãs, vagas descrições,
a mente é pouco. Quem compreende o que não vê?


Quem vê?


O Livro está escrito. Ao som de
uma vela, ela apaga os olhos


e vê:


o caminho está perto, os olhos
abertos o imaginam longe.


O pão, o vinho, tudo será nada, tudo acaba.
Corpos secos pela noite, procurando


noite procurando dia e um cheiro de desespero
venta, ninguém fala, ninguém chora,


ninguém mais procura o caminho.
Estrela sem brilho, pássaro morto, só o cachorro latindo,


só o blues tocado nas escadarias
dizendo tristezas outras mas amargas,


quem o ouve? Quem espera um acorde, grave,
levar as lágrimas? Outras virão.


homens choram, a Máquina se reproduz.
Incestuosos insetos sobre a imensidão


do dia. À noite tudo morre,
esse é o caminho, a esperança e o medo,


medo de viver, medo da chuva, medo e desejo de
ser como um homem comum,


sentado, esperando a hora de morrer,
faminto de momentos de prazer,


estradas estranhas, amores de enfeite;
a Máquina tudo observa e não espera o seu


medo de viver, não se esgota no esgoto.
Não. Ela o alimenta, um filho.


À beira do bueiro-boca faminta, engolindo
almas de velhos bluesmen deixando apenas


o estalar de dedos e a luz do poste.
Ninguém escuta, ninguém vê,


nem as crianças sorriem quando
ele estala os dedos e canta;


o esgoto o engoliu, lentamente
ele se acostuma e se torna o esgoto,


uma barata caminhando ao som do velho lamento,
o túmulo da Imaginação e do Amor.


Vida de inseto vagando no esgoto-
mundo, vida de homem cantando no fundo do 


bar: noite limpa, tempestade, noite no
bar: nunca um arco-íris ri, nunca


na guitarra uma música alegre, nunca
mais um copo vazio, noite inteira, vida inteira,


cair, esquecer o caminho, dormir na rua,
deixar o dia levar o que nem a noite quis:


o estalar de dedos, a luz do poste.
Isto é morrer? Isto é viver,


longe de verdadeiros amores e amigos?
rastejando à noite por um momento de prazer?


por um bar aberto? Ninguém vive,
ninguém morre o corpo. Morre a alma e


a vontade de viver. O pássaro caído
(vozes, dores, culpas, medos, terror)


nunca mais voou. Cansado de estar vivo, 
cachorro ganindo mudo, caminho esquecido, tudo


morre. Assim o blues se reproduz,
assim, Helena se deixa levar,


assim, a Máquina move-se e mata.
Não a submissão, não a beleza e o coração:


rosto e rosto, corpo e corpo, metal e carne,
Wafna! e Helena.


Uma é fria, a noite a gerou.
A outra, olhares e paixões a levaram.


Uma não morrerá. Porque não vive. 
Não sabe a cor da flor e do pôr-do-sol.


A outra, morte é sua sombra; 
angústia e fome em tudo o que faz.


Tempo, ninguém é feliz, ninguém é surdo ao 
relógio, ninguém é eterno, ninguém é o momento.


Tempo, segundos e séculos choram,
novas primaveras, madrugadas, eras.


Enquanto chove, alguém espera.
A visão dos túmulos abertos, ela


chora o próprio futuro
no escuro,


tudo.


Nada


no silêncio vago
do dia. Luz emudece a música.


Cessação do longe. Terror.
Ela corre como quem chora diante de medos


e desejos, grita como um cachorro come,
exausta de eternidades de dor.


Imagina um filho, ela o carrega
por desertos de amores desconhecidos;


está só. Às vezes o desespero,
às vezes a vontade de morrer.


Solidão devora sua alma, a criança
chora. O vento apaga as pegadas na areia.


Luz esconde o caminho, ela chora.
Não existe futuro. Não existe passado.


Vida diante do tempo, uma formiga;
onde termina o caminho? - Subitamente:


morte é o motivo da vida
e o fim do sonho.


Morte faz o caminho e a força.
Wafna!, não morrerás, ela chora.


Morte realiza um último desejo.
Wafna!, teus assassinos vêm, ela os mata.


A espada da amazona,
a Imagem de outro tempo,


o desejo de estar longe,
o sonho do tolo, homem,


acorda do sonho, no sonho, vida.
Paisagens impensadas ao tempo,


o olho do sonhador.
Enquanto vida, o sonho acabando,


dez mil anos serão nada diante 
do tempo de uma lágrima.


Silêncio. Quem morreu. Ela pergunta.
Nunca tanta solidão, nunca


uma vela na escuridão, nunca
uma vida pela própria mão.


Silêncio. Quem é feliz. Ela chora.
O corpo não diz a vida de dúvidas.


E tristeza. E medo. E solidão.
E um futuro feito de 


mais tristeza, mais medo, mais solidão.
Chovia. Do alto de anos, chorou.


Frio e o desejo de nunca ter vivido.
Parou de chover. Parou de chorar.


Silêncio. Eternidade.


Nada muda. O filho morto, ela
continua. Outras lágrimas virão.


Outras avenidas de solidão.
Pegar o ônibus e a sensação


de que o mundo é o mesmo. Ou não.
Dia nascendo em alegrias mortas,


noite morrendo num copo de blues
e as almas pequenas fugindo, procurando.


Ninguém sente o amanhecer fervilhante.
O sonho mente: ninguém vive.


A mente retém o caminho por onde
ninguém passa. Eternamente.


Estranha a essa cidade, ela caminha e nova-
mente chora um futuro certo.


Vento, tudo é pó e fim.
O deserto não é o mundo. A alma.


Velhos castelos caem. Silêncio.
Restam as flores no cemitério.


Solidão. De quem é a maldição,
a fortuna? Pesado é o karma


e o caminho do silêncio, da sabedoria,
do movimento dos olhos.


Solidão é o preço e a recompensa,
assim a vida sem fim


volta, revolta-se e novamente vem,
yang despido do yin.


Eis por que vim, ele diz.
O caminho do caminhante termina na letra de um blues:


"I´ve been walking down in the night.
The night-woman makes me feel all right


It´s too late to come back home
Death is near, will you take my bones?


My life is made of pain
Will you give me peace? Will you bring the end?


Death is my only friend
Murder madness, again and again."


Solidão e sabedoria, solidão e morte,
whisky sem gelo e uma certeza:


o fogo sobe, o sol brilha;
o sentimento desfaz o sonho;


a Imagem se apaga;
estranhamente eterna,


a mente paga ao tempo
o preço do mundo:


ninguém vai além 
do limite do físico corpo.


Tudo foi em vão,
o desprezo aumenta a solidão,


resta esperar
a hora de morrer


enquanto, proibida de sorrir,
a vida se esvai, rio no mar.


Resta olhar 
o sol nascer


enquanto, prisioneira de um corpo falido,
o pensamento volta ao passado


o desejo de viver de novo
medo e resignação.


Tudo passa,
um dia um pássaro voou,


uma flor
chorou,


secou 
na noite muda,


não gritou
no dia escuro,


uma vida no movimento dos olhos
uma imagem ficou


a Imagem do mundo não é o mundo
a Imagem


a Imagem da Máquina mata quem?
Quem viaja?


a Imagem da mente, eterna,
esta página, estranhamente


ela mente um novo desejo
ela sente uma nova viagem


diante da Imagem. Imaginações vagas. E
um violão azul. 


A Imagem do mundo não é o mundo.
Os olhos de quem viu.


O ouvido de quem foi.
A voz do cantador.


A Imagem do mundo é uma canção:
quando cantada, o mundo muda.


Ninguém sabe a viagem antes de partir,
ninguém conhece o fim do caminho.


O caminhante na noite de couro;
Antes: o dia e o desejo de morrer.


Noite esconde o rosto
e a solidão,


seus olhos-espelhos
nas luzes da terra,


noite mata o assassino
e rouba o ladrão,


seu manto negro,
o caminhante não erra


a hora estranha:


"Na noite inquieta 
do Nilo
grito-lhe: Filho!


Coração de couro,
Olhar de serpente,
Caminha, iridescente."


o filho da luz é um ser de trevas,
caminha na cidade-noite enquanto morre,


metal-lagartos rugindo o som dos olhos-luzes,
concreto-árvores crescendo o caminho escuro,


bactérias-meninas transformando esquinas em fantasias,
orvalho congelado no céu, uma nova viagem:


enquanto Curitiba dorme
o caminhante vive,


sua voz rouca dizendo:
sexta-feira cair na noite.


Esta solidão lenta e morte,
este o desejo do forte e do louco,


este o pouco que resta
da festa que termina,


esta menina, suspensa, esfria, venta
esta solidão lenta e dia.


As ruas da manhã,
suor, pão, cigarro, poesia,


os ônibus cheios de cheiros
e vidas mortas.


Esta multidão, morta, sobrevive.
Ninguém cultive derrotas. Nem vitórias.


Estes rostos sem dor ou sorrisos;
esta a rota de um sol que se apaga;


esta multidão, morta, morre:
caminho perdido, noite sem lua.


Nessas noites, ela vem,
toda de branco, o olhar retém


sua beleza absurda, louca, zen,
ao som de uma música: The End.


O olhar transparente grita um outro caminho,
um novo desejo, hipnose, paraíso,


ela vem


da noite de couro negro, ela vem
das ruas gemendo sangue, ela vem


dos gritos surdos, mortos, ela vem
da alma do caminhante.


O caminho é outro nas noites sem lua,
perde-se no desejo, medo


e o absurdo mudo da espera:
um dia esperando, uma vida de dúvidas.


Ninguém volta. 
Caminho perdido. 


Noite torna-se eterna


e sem lua. Olhos tornam-se terra
e a alma, o medo.


Morte, quem te espera numa noite sem lua?
Quem te odeia, fim da magia?


Quem te ama ao fim do dia?
Quem te deseja mais do que a vida?


A vida


o desespero de continuar,
cada passo transformado em dor,


em cada olhar o desejo de fugir,
a cada momento, uma pergunta  é feita,


uma decisão é tomada:
o Momento de morrer.


Vida, quem conhece o fim do caminho?
Luz, quem deseja o pôr-do-sol?


Cessação do silêncio e do som,
um passo é dado, um passo hesitado:


medo de morrer, medo de viver, 
Eis a alma humana:


uma porta,
a mão da morte na maçaneta.


Fim do dia, dos dias, portas abertas,
Dante mostra o caminho. O fim do caminho.


Tudo é nada.
Tudo é nada e dor.


Tudo é nada, dor e eternidade.
Tudo é nada, dor, eternidade e medo.


Tudo é nada, dor, eternidade, medo e solidão.
Tudo é nada, dor, eternidade, medo, solidão e desespero.


e nada
e dor


e eternidade
e medo


e solidão
e desespero


e inferno.


Ele não grita a sua não-morte, sua carne queimando em gelo e escuridão.
Ninguém sabe o fim do caminho, suas pernas feitas de dor e eternidade percorrem o caminho de dor e eternidade.


Morte, o que existe atrás da porta?
Tempo tortura almas tempo loucura vida


espera a hora de morrer em gritos rituais de tribos de filhos nômades pequenas como grilos arcanos, baralhos ditando rumos de almas, caminhos em templos feitos sobre sangue de não-mortos esperando a hora chegar.
espera a hora de renascer em palavras murmuradas ao vazio com o corpo jogado ao chão, o olho voltado ao céu e a alma jogada ao chão enquanto pulsa uma pergunta: e a hora de renascer?


espera cair do céu a salvação e, se um anjo grita uma oração aos infernos, GRITA UMA ORAÇÃO AOS INFERNOS!
espera parar a terra e se o sorriso faz a guerra e mil morrem em um momento de prazer, murmura palavras ao vazio, joga o corpo ao chão, o olho ao céu e assim a vida e o resto,


espera a hora de dormir, de viver,
espera vir o pão, o vinho, a sexta-feira,


espera uma perna nua, o fogo do cigarro, a lua,
espera a hora de acordar e o dia de morrer,


espera vir o trem:
vida acaba como passa uma Estação.


Nenhum blues ouvido nas escadarias,
nem o grito da guitarra, nem o choro da gaita,


nenhuma lágrima na despedida,
o fim do caminho e da música.


Curitiba em suas ruas de silêncio e chuva,
o apito do trem não apaga a lembrança,


nem o estalar de dedos, nem a luz do poste.
Curitiba, morta em suas noites sem lua.


Saldanha Marinho, Cruz Machado,
as ruas da noite, o caminho selvagem,


nada mais no Largo da Ordem.
A tristeza, o blues e o desejo de pular do trem


e voltar para a Estação.
No caminho da solidão,


as pegadas do bluesman e da vida não.


Sentado à beira da estrada, 
violão quieto, fogueira acesa,


viu a fumaça subir, pensou em nada,
o horizonte mais longe, um desejo:


estrada vazia, whisky sem gelo,
não dormiu, não sonhou, acendeu um cigarro.


Longe, uma cidade perdida na noite.
Estrelas-luzes, desejou um carro:


o violão chorou um blues,
a garganta, um escarro.


Sentado à beira da vida, 
chorou, sorriu, nenhuma máscara caiu.


Desejou o sonho da noite de couro.
Cores de loucura. Imaginou, não viu


pernas nuas, luas falsas, 
amores de esquinas coloridas,


copos cheios de outras vidas,
dançarinas assassinas, o tempo em espiral.


Vida é essa: praia sem sol, comida sem sal,
o dia do sonhador, a noite de morrer,


absurdos chorados à beira de uma garrafa vazia
como ratos de laboratório correndo na gaiola.


Caminho perdido, 
resta o cotidiano:


dia, noite, noite,
paga o preço,


cabisbaixo, apaga a luz,
o rádio baixo, canção lenta,


desespero sexo automático:
paga e vai embora.


O caminho de neon
(escrito em ritos surdos)


grita a ordem desta vida:
viver a não-vida, não morrer.


Morta, ela sabe: ninguém vive
o dia, ninguém vê o fim


da magia. Ninguém canta, 
ninguém ama.


Morta, ela se pergunta
quem ama ou amará.


Quem conhece a eternidade.
Quem chora um olhar.


Quem ama. Quem não ama.
Amor, ela diz, amor


é a fumaça do cigarro da vida,
longe como um amanhã desejado,


perto como um súbito ontem,
o amor presente se faz dor em dúvida;


o amor ausente, em solidão e vazio.
Morrer. Morrer. Sentir. Morrer.


Amar a intensidade de um sol.
Lentidão de um relógio, amar.


amor saber o tempo a noite
sabor amar o dia um filho


Morrer. Gritar um sonho sonho!
e morrer. gritar de dor amor!


e morrer. Fazer o futuro
e esquecer. Asfalto sanguinolento,


lento, sonolento e rápido:
súbito, em câmera lenta,


o antigo lagarto,
antigo, caolho, lento, rápido, rapidolento


o som do beijo furioso de metal
e um gemido de morte lentamente morre


e um sorriso de esperança esfria
frio.


Anos perdidos em infernos cotidianos.
Dia. Loucura. Dia. Loucura.


Noite e a hora de novamente não viver,
ouvir um blues e não saber:


Dia. Uma fantasia
Loucura.                      ,


Dia. Um sonho
Loucura.   não cura


Dia. loucuras e
Loucura.   gritos presos


Dia. no dia-
Loucura.   -a-dia.


Noite,
feito bala,


 Perfura
a magia do


 Dia.
Loucura.


Fim do dia.    Dia.
Loucura.   Começo de novas loucuras.


Caminha sozinho no escuro da alma,
sua voz de veneno vivo


dizendo tentações profundas,
corpo e alma rápido se contradizem.


[Palco iluminado e vazio. Fundo branco.
Entram Corpo e Alma caminhando lado a lado]


[Corpo vestindo roupas pretas e jaqueta de couro,
Alma vestindo um lençol branco]


[Corpo:] - O que é errado?
[Alma:] - Tudo



[Corpo:] - O que é errado?
[Alma:] - Errado és tu.



[Corpo:] - O que é errado?
[Alma:] - Tua pergunta, tua dúvida, teu medo.


[Corpo:] - O que é errado?
[Alma:] - Teu caminho, teu desejo e realização.


[Corpo:] - O que é errado?
[Alma:] - Teu sex, drugs and rock'n'roll. Teu peace and love


[Corpo:] - O que é errado?
[Alma:] - Tudo o que fizeres e se nada fizeres ainda serás errado.



[Corpo:] - Se tudo é errado,
o certo não existe. Nada é errado


[As cortinas se abaixam lentamente,
roldanas rangendo, platéia vazia]


Luzes acesas para o dia,
fechar os olhos, ser o dono da própria escuridão,


da loucura e da solidão.
Quem nunca chorou quando a vida ria?


Curitiba, frio e poesia.
Morto numa batida policial enquanto bebia,


pensando no sono sem sonhos e na vida sem sonhos, ouviu o seu inferno aberto nas luzes da noite, dia torna-se noite e escuridão refletida no couro negro.
Mesas, garrafas urinando gargantas e o som de um copo caído, um corpo, um caminhante morto caminhando ao som de seu inferno luminoso e sorriso.


O olho aberto mas cego para o caminho a seus pés, a mão estendida e vazia de novos desejos, o rosto severo não esconde a amargura: preso em seu túmulo-vida, o desejo de morrer,
ele fechou os olhos e viu: atordoado com a eternidade desta vida (e do dia), nenhum sorriso e nenhum abraço para acordá-lo e fazê-lo viver.


Bebeu.
Ela o seguiu.


Sonhou. 
Ela esqueceu.


Sonhou que se beijavam.
Sonhou e esqueceu.


Bebeu
e sonhou.


Nunca soube
quem viveu...


Viveu.
Ou!, ele diz,


e ela.
Ela o seguiu.


Dunas do Saara, águas do Amazonas,
ela o seguiu.


Neve do Himalaia, praias do Havaí,
ela o seguiu.


Garrafas contêm 
sonhos, ela diz


A ele.
Casaram-se num bar enquanto bebiam


e sonhavam que se casavam.


Caminhos sonhos vinhos
o dia de acordar (acorda).


Um dia percebeu que o que os olhos não tocam
É.


Vida amarela,
empoeirada.


Contemplação do belo,
criação do nada,


sorte, acaso, caos.
Assim?


Tempo é uma tinta amarela:
faz vontades mortas e crianças velhas.


Tempo apaga as pegadas 
na areia,


o um se perde no todo.
O grão de areia, na praia.


O som do mar,
um grito, 


o gosto do mar
quente, uma tarde de inverno quente.


O calor do mar,
vida salgada, perdida, caminhada.


O infinito do mar,
a visão do dia morrendo em assassinatos.


Caminhar na areia
arrastando corpos de recém-mortos.


O sangue se manchou de mar.
Karma.


Assim, de novo,
destino, signos, cartas, livros:


Outros nomes 
falsos do 


caos:
mundo e as ondas do mar.


Calor do luar.
Fogueira, música e um beijo.


Ninguém sabe o caminho.
Ninguém procura.


Noite mostra o ritmo.
Só.


Uma perna desnuda-se
sob o sorriso da


lua e outro
sorriso


acende o cigarro na brasa da fogueira
e ri:


Nua, ela dança.
Balança os braços feito ondas


e mais.
Ao som do mar, morrerá.


Estátua caída,
mancha vermelha na praia


congelada no momento,
na eternidade não.


Se tento se não tento, ela diz
a ninguém, a si, ao tempo...


... à noite, ao dia...
... ao som, à luz, ao calor, ao garçom...


Morta, ela se pergunta:
Quem vive?


Um copo de cerveja. Vazio. Um copo de cerveja. Vazio. Um copo ... 
vida


?


Um sorriso se perde feito fumaça de cigarro
na fumaça do cigarro.


Noite, ela se pergunta,
Ela ven?ho


Vinho, um espelho se  quebra, imagem
da vida,


Ela vem.


Um espera. Outro espera,
pára e diz: erro de cálculo.


Enquanto espera, sai ao corredor
e só enxerga um silêncio-desespero.


Sentam-se ambos no velho sofá.
A espera é da alma e dura dias e vidas.


A alma envelhece, a espera envelhece, o sofá envelhece mais.
Mas ela vem, ele diz.


ou não diz?, não se lembra,
pensou em dizer, não sabe mais,


não pensa mais,
espera.


Poeira sobre os narizes, orelhas, olheiras,
sofá apodrece, a espera segue, a alma pára.


erro de cálculo, ele diz.
Dez minutos, o outro disse


anos atrás. Continuam sentados.
Sofá desaparece, alma apodrece, a espera segue.


Ela veio, olhou-os
e foi embora.


Um espera. O outro espera.
Era ela ao menos bela?


Foi-se
antes que a noite morresse.


Sorriu e disse:
quero aquele, aquele, esse,


ninguém que espere,
ninguém que caminhe,


ninguém que saiba:
ela anda sobre túmulos


de pessoas vivas.
Ninguém fala, ninguém mais


ama.
Um urubu pousou em cada alma.


Ou um anjo de asas negras.
Ela não chora mais.


Ou um corvo gordo, estorvo
de crianças velhas.


Elas a olham,
a luz, ninguém sabe,


ninguém é cego, 
ninguém vê.


Ela vem, não da noite, nem do dia,
do olho rindo


da voz calma,
do vento, da onda do mar e da contemplação,


da história de dormir, 
do beijo de mãe.


Ninguém mais sabe o seu caminho.
Uma criança chorou. Não viu uma mão estendida.


Nem o anjo sentado na calçada.
Curitiba, o seu maelströn. 1995.


Curitiba, quem te escuta na noite morta de segunda-feira?
Quem te espera na Estação em silêncio?


O tempo, surdo. O momento, morto.
A saudade aumenta. A noite esfria.


O anjo, caído, disfarça-se.
Baixa o olho e recebe um tapa.


Pede um cigarro e recebe um tapa.
Ela caminha sobre túmulos de pessoas vivas.


Lenta como um copo de whisky,
assim uma lágrima e um blues


e um violão azul.
Mudo.


Ninguém vê o mundo,
ninguém muda se é mudo este violão.


Ninguém sabe o caminho
do violeiro. Nem o seu silêncio.


Sua agonia surda se refaz,
medo emudece


uma corda do violão. E outra
caminha na noite de couro


e silêncio.


Caminha, inevitável, rumo à ruína
dos desejos (não realiza. não cresce. não deseja. não realiza).


Senta no sofá empoeirado.
Xícara de café frio. Relógio parado e o coração


não canta a canção da dor
nem balança por amor.


Só sabe a solidão,
o olho do anjo negro.


O caminho de quem procura.


O cartaz do cinema pornô. O luminoso do bar.
Ano novo e as garrafas de champanhe barato espalhadas na praia


e um desespero antigo por caminhos novos.
A janela acesa na cidade dorme.


O barco perdido no horizonte,
flores e velas levadas pelo mar,


palavra perdida no momento e no olhar,
a mulher na esquina escura, o assassino sob a escadaria.


Quem conhece o caminho?
Fecha os olhos e vê.


No meio da vida, uma pedra torna-se o caminho.
Sem ela, a alma é vazia.


Trilhar o caminho que for dado, 
fazer da pedra
o degrau
para a
montanha


Quem faz?


Tudo tem seu fim: o seu olhar fatal,
O motivo por que vim, o sonho de cristal.


Para o tempo, tudo será nada.
Nenhum sentimento restará


e a Imagem da Mente
cai no abismo do esquecimento.